quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Quando à noite...


Quando à noite...

Quando eu era pequenina, uma menina, adormecia sempre com os olhos cansados de tanto contar aqueles buraquinhos pequeninos das persianas. Ficava a olhar fixamente para eles, a ver o luar entrar no meu quarto repartido em pequenos raios de luz. Como me encantava! Como eu me banhava naquela luz branca que preenchia todos os cantos do meu quarto.
Quando eu era pequenina, uma menina , a ansiedade tomava conta de mim todas as noites. Não conseguia adormecer sem ver o meu despertador digital marcar as 11h11m. Era o minuto mais especial do meu dia. Mais ninguém estaria a olhar para o relógio como eu estava a olhar. Era especial porque mais ninguém se iria lembrar, que aquele era o único momento da noite em que todos os dígitos do despertador eram iguais.
Quando comecei a ter um quarto só para mim, ganhei o hábito de o arrumar às escuras, durante a noite. Limpava o pó e colocava sempre os brinquedos feios em sítios diferentes. Tudo ganhava uma beleza repentina e efémera . Tudo se tornava mais especial quando eu não podia ver, só sentir e cheirar. Toda a operação era realizada no mais profundo silencio. Bastava tocar no que quer que fosse para saber exactamente o que era. Era tudo meu, tudo feio mas meu. Tinha o meu cheiro, o meu amor, a minha dedicação.
Quando me deitava, vestia sempre aquela camisa de dormir enorme de flanela castanha..Era ela que me aquecia, que me deixava encolher as pernas , prende-la com os joelhos e sentir-me protegida a noite toda. Era tão minha....
Quando finalmente abria a cama para me deitar, ia sempre buscar as minhas almofadas de cetim em forma de coração. As minhas almofadas cor de rosa, cheias de renda de plástico .. eram feitas de cetim ranhoso que a minha avó usava para forrar as malas lá da fabrica. Eram o meu bem mais precioso, o meu tesouro, o meu orgulho, o que tinha de melhor.
Quando a meio da noite me levantava para ir à casa de banho, pintava sempre os lábios com o batom da minha mãe e escovava tanto os meus cabelos.... e assim, saía a correr, não fosse a minha mãe notar.

E era assim que, finalmente, adormecia.

Deitava-me nas minhas almofadas, depois de ter limpo o pó das minhas prateleiras pretas, encolhia-me dentro da minha grande camisa de dormir e contava os quadradinhos dos estores, para que o tempo passasse mais rápido, sempre à espera das benditas 11h11m da noite.
E era assim que eu o esperava, agarrada com força às minhas almofadas coração a olhar fixamente para a janela. Era assim que ele iria entrar no meu quarto, sentado num dos mil raios de luar que preenchiam todo o espaço. Era para ele que eu tinha arrumado o quarto, vestido a minha camisa de dormir mais querida, aquela de flanela cheia de manchas de chocolate, era por ele que eu pintava os lábios e penteava o cabelo que ficava, propositadamente, espalhado em cima das almofadas cor de rosa.
E seria precisamente às 11h11m que tudo isso iria acontecer. Às 11h11m de um dia qualquer ele iria buscar-me, salvar-me!
Só não sabia o dia certo Não existia nenhum dia especial.
E como não sabia, adormecia! Esperei, esperei, esperei...
26/08/2005

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